terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Sobre listas de ano novo (ou A felicidade não precisa de burocracia)

Abandonei as resoluções de 'ano seguinte' há tempos. Deixei de lado os planos que não vou cumprir. Cansei de me prometer academia, menos chocolate e diminuir a compulsão por comprar mais livros do que eu consigo ler.

Decidi ser feliz de forma simples, sem ter itens para checar ou caminhos obrigatórios. Não faço listas para não me reduzir e para não ter a quem (ou a o quê) culpar quando as coisas derem errado.

Tenho metas e estratégias, mas não listas. Prefiro não contar até dez. Enumerar resoluções é começar um regime toda segunda-feira para abandoná-lo vinte e quatro horas depois.

Em meus dias, consertei o que deu errado no momento da perda. Fazer listas é adiar as respostas, é jogar pra frente o que temos medo de resolver - e pelo medo, esquecemos as listas no fundo das gavetas.

Não quero adiar nada, não preciso de planos pra mais tarde. Os meus pés ditam o limite dos passos. A felicidade não precisa de burocracia. O caminho não precisa de listas quando o caminhar é prioridade.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Samba esquecido

Como é mesmo que a canção aquela dizia? Perdi as palavras exatas, porém tenho ainda os pés meio tontos, o coração trôpego, um frio entre os dedos.

O que aconteceu com os dias? Sobrou o olhar carregado, o castanho nublado, o soluço nas mãos. Sobrou um resto de cor, um resto de tudo, um pedaço de mim. Sobrou um retalho, um retrato, seu rosto enquadrado, as migalhas dos dois. Sobrou um livro emprestado, uma canção esquecida e algumas juras já gastas. Ficou o que eu me esqueci de dizer e o que ninguém perguntou: Aquilo que a gente não quis ou deixou pra depois.

Como é mesmo aquela alegria triste, aquele samba arrastado? Como é mesmo que você me dizia pra não me importar com a multidão? Procuro agora um caminho, um rumo ou estrada. Não espero nada, além da chuva ou da paz de se esquecer certas canções.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A espera sobre a mesa

Todas as noites, eu coloco um prato a mais na mesa pra me convencer de que você vem pro jantar. A que horas você chega? Será que o telefone toca? Olho, assim, de canto de olho, de mãos dadas a qualquer esperança e ele continua lá: mudo e inerte. Quando toca, não me traz notícias boas, apenas um telemarketing insistente e uma chateação enorme.

Eu te espero, a comida esfria. A fome vai embora e o prato sobre a mesa. Você nunca mais apareceu, nunca se explicou. Na calada da noite, juntou seus braços e partiu, assim, pé ante pé, deixando as fotos velhas para trás.

Você vem pro jantar? Eu preparei seu prato preferido e guardei todas as facas, não haverá guerra, não haverá cortes mais profundos que os já feitos. Haverá apenas a nostalgia ao vê-lo sentado, assim, sem me encarar, nem reconhecer.

Eu ainda espero, eu ainda ponho o prato sobre a mesa. Quem sabe você não se cansa e volta. A porta fica destrancada, não precisa bater, apenas volte. E quando voltar, faça a última refeição e vá embora, sem alarde, sem perdas ou pés de lã. Saia pela porta da frente, com os bolsos vazios. Deixe os motivos sobre a mesa.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

À um velho amigo

Ei, você que eu não vejo há tempos, me envie uma carta, um sinal de fumaça. Moro ainda no mesmo lugar.
 
Hoje achei uma foto antiga, desbotada e com cinco quilos a menos. Você sorria largo, eu olhava distraída. Os dias eram de paz.

Você falava que eu deveria mostrar as coisas que escrevia, eu achava bobagem. Hoje eu escrevo e você não lê. 
 
A gente põe a culpa na falta de tempo, na cidade grande, no que não se pode explicar, no quão diferentes nos tornamos.

Olho a fotografia: deixamos tudo para depois e agora nos sobra o que já foi.

Por isso eu peço: escreva-me uma carta, um bilhete, diga se você também sente falta. Os dias, cada vez mais longos, escondem o caos em sorrisos cordiais.

domingo, 18 de outubro de 2009

"O pássaro é livre na prisão do ar"

Eu o vi ali, parado. Ele tentava evitar a aproximação dos inimigos e acabou por sufocar cada um daqueles que o amava. Ele olhava o chão e sorria mudo, seco, fingindo não perceber que seu destino escapulira e que já não poderia fazer o tempo caminhar para trás.

Eu o vi queimando todas as certezas e cometendo o erro de refazer as mesmas escolhas ao flertar com o eco de desejos terceirizados. Eu juro que o vi desfazendo os nós, dissolvendo as amarras, mas sem vontade de voar.

Ele queria ler a sorte em uma xícara de café. Ele queria dizer que sente muito, mas na verdade não sente. Ele construíra as trincheiras. Ele asfixiou cada suspiro de futuro. Foi ele quem bateu a porta e deixou a alma tomando chuva.

No fundo, foi ele quem me deu essa raiva que não existe e esta vontade de fazê-lo reagir sem gritos.

(Ana Flávia Alberton, com a velha mania de desenterrar textos de seu blog antigo).

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Perfumes e espinhos

Como novidade, eu trouxe uma roseira. Talhei em madeira as verdades que não dá pra ouvir, retirei as cercas elétricas e abri as janelas.

Do passado, eu trouxe pés leves, propícios ao vôo, propícios a qualquer alegria momentânea, a qualquer loucura não pensada.

Para o futuro, uma caixa de sorrisos, um dia no inferno pra sobrevida em paraíso constante do saber viver.

Eu trouxe uma roseira. Pra saber dos espinhos, pra saber dos amores, pra saber da delicadeza. Eu trouxe uma roseira pra saber o luar, o lugar, o alguém.

Você não sabe?

Pois deveria saber que o saber vai além do cheiro das páginas de um livro velho.

Para você, eu trouxe um caderno em branco. Nem linhas há. O destino precisa seguir seu próprio punho, o entortar das letras, precisa da sua decisão para fazer um caminho.

Você ainda carrega no bolso aqueles bilhetes que já não recorda o remetente? Eles se transformaram em recados seus para você.

Eu juro que há algo pra se entender e uma porção de coisas para ignorar. Porém, as lembranças devem ser mantidas. Por isso a roseira, o perfume e os espinhos.

(Texto publicado no Essa Moça Tá Diferente! no dia 25 de setembro de 2009)

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Do amor despercebido

Ela é apaixonada. Não sabe fazer nada se não por amor. Não sabe fingir ser o que não é; não sabe fazer de conta que tudo é normal, normal. As coisas são e pronto. Ou pelo menos é assim que deveria ser. É apaixonada pela forma contrária das coisas ou pelo menos da visão contrária dos pontos de vista da maioria.

Costuma ver mais poesia em um pássaro sozinho do que em algumas obras expostas em museus. Não é que não saiba valorizar a arte, mas não acredita que ela esteja em tudo o que rotulam por aí de genial. A genialidade, muitas vezes, está na rua. No som barulhento da orquestra de metrópole, com todos seus ônibus e conversas alheias, misturadas, com seus artistas que encantam as calçadas.

 Ela é apaixonada. Milhões de livros, prosa e poesia. Mas não costuma acreditar muito em best seller. seriam todos eles, tão bons assim? Gosta da falta de pontuação proposital de Saramago, porque sempre se depara com a falta de algumas vírgulas pela vida que acabam por dar mais sentido às dores e sorrisos largos.

Apaixonada: Pela música. Talvez por isso, tenha forte resistência a escutar a programação do rádio. Nem todo barulho é música e nem toda voz afinada merece ser ouvida.

Vê a vida feito um samba, com aquela alegria-triste e aquela tristeza-esperançosa. Ela é apaixonada por todas as nuances, pelos olhares, pela cor dos dias. Ela é apaixonada por tudo que tenha opinião, mesmo que esta opinião seja o contrário de tudo o que já pôde acreditar na vida.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Do que pode ser nítido

Tenho mãos atadas e uma confusão de palavras. Tenho o que eu não sei dizer e incomoda e traz calafrios. Tenho um coração prestes a pular e uma vontade imensa de voar por esse céu hoje tão sem estrelas, vagar por essa vida iluminada pela luz artificial de qualquer cidade.

Às vezes as lágrimas insistem em pular sem acenar histórias, sem nostalgia ou perda. Tenho o incômodo das manhãs de sol, dos dias quentes, secos e duros. Eu tenho uma pilha de livros, uma porção de teorias e uma vida esperando lá fora, longe e tão perto.

Eu tenho tudo o que não sei dizer, de uma falta que eu não sei explicar, de uma vontade que é melhor nem saber. Sim, eu tenho um futuro e um jogo do contente. Eu tenho você assim: no que eu não vejo.

Eu me tenho no palpável - o resto é história, negativo exposto à luz. Eu tenho uns discos velhos, canções repetidas para dores diferentes. Não gosto da vida contada em letreiro de néon. Tenho tudo o que é translúcido e vivo buscando a nitidez.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Conversas com espelhos

É, pois é... Quais eram os planos? Aliás, havia algum a se cumprir? Dou dois passos rumo ao horizonte, a queda pode ser grande, a loucura pode ser asco, mas é necessário tentar. Se a gravidade puxar, se eu não for mais leve que o ar, me desculpe, mas eu vou cair. E será um precipício a minha própria verdade e será um adeus o meu amanhã.

Eu me esqueci, eu juro que me esqueci se coloco as mãos nos bolsos, se assovio, olho de lado ou danço. Os meus olhos andam cansados, o meu corpo me consome e se enrosca e se perde em lençóis. O que eu vejo daqui? Prédios e deslumbres. Vejo gente sendo o que não é, trocando as noites, trocando as pernas, os amores, trocando o que não dá pra trocar pra lá na frente se arrepender e pedir um perdão.

Talvez, virando a esquina, alguém perdoe as suas falhas, mas o mundo costuma ser cruel, meu caro. É, quando a gente só vê o novo, às vezes tropeça no próprio deslumbramento. Eu sei que há a mania de fazer roteiros pelo prazer de mudar o itinerário no meio do caminho. Mudança nunca foi condenação. O que se condena é a mentira em sorriso claro, mas nunca limpo.

Vamos, você ainda não me respondeu: quais eram os planos? Acho que a corda bamba não estava no roteiro original. Essa coisa de não saber pra quem sorrir é desgastante, menos, porém, do que mostrar os dentes a qualquer um. Estou esperando a resposta, a fila à minha espera, já dobra o jardim. Talvez você me encontre por lá, talvez além mar, além de qualquer expectativa sua.

Talvez você não me veja nunca mais ou eu me transforme em um sonho que nunca existiu. A gente é um pouco daquilo de quem está por perto, de quem a gente escolhe. É preciso lembrar que o sol cega, depois queima. Por isso, eu prefiro cultivar caminhos e veias sob a minha pele.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Um mundo pra mais tarde

Você quase nunca diz nada. Apenas me olha com um sorriso bobo e pede pra deixar o mundo pra mais tarde. Mais quantos verões jogados ao lixo? Quanto tempo você precisa pra me dizer que não me ama mais? Uma semana, uma hora, a vida inteira? São coisas que não podem ser adiadas, deixadas de lado como esperança pra mais tarde.

A vida é urgente. A loucura é urgente. Urgente são todos os meus passos, mesmo que em círculos, mesmo que desencontrados. As coisas acabam por sair do eixo quando não somos o eixo das próprias escolhas. Quanto tempo mais você precisa pra dizer que me ama?

As janelas estão abertas, meu bem. É um vento frio que vem no meio da noite e me tira do chão, é o que eu não explico, é o que eu não sei e não previ, mesmo sendo previsível todo final ou começo. Quanto tempo você precisa pra dizer que.?

Eu nunca tive a vida inteira. Eu nunca tive sequer o amanhã. A vida é agora, o sol me chama, é preciso voar, eu preciso de.

Adeus, até quem sabe daqui a meia hora, ou, sabe-se lá, até o nunca mais. Até o tempo das escolhas acertadas, dos relógios desnecessários, das decepções enterradas e dos arranjos de flores. Até o tempo em que as nossas horas se encontrem ou se percam de vez.

Adeus.

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Este texto faz parte de um meme proposto pelo meu grande amigo Renatim Pirei que escreve sempre com tanta sensibilidade no Depois eu penso. A proposta é que os indicados façam um texto como se rompesse com alguém. A ideia foi inspirada na exposição Cuide de Você, da francesa Sophie Calle, que convidou 104 mulheres para interpretarem um email de seu ex-namorado que gostaria de romper o relacionamento de ambos.

As regras do meme:

1 – Escrever uma carta como se você estivesse rompendo com seu (sua) namorado (a);

2 – Escrever estas regras e uma breve explicação do que é o meme (como essa aí de cima);

3 – Indicar cinco pessoas.

Repasso a brincadeira e o exercício textual para as minhas companheiras de Essa moça tá diferente: Ana Paula e Marília Almeida, para Fran Rodrigues e suas lentes de Contato, para os meninos do Copacubana e para a rainha da faxina interna, Isaura Carrijo.


sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Necessidade de escrita

O que é dito, quase sempre é meio tom, meio de lado, meio perdido, meio sem rumo, mais atropelo que canção. As palavras digitadas ou escritas a próprio punho saltitam, ocupam espaço antes mesmo de eu prever. Talvez por isso me achem séria demais, com pose demais.

Digo o necessário, sorrio um bocado. Gosto de me perder em horizontes, em canais que não sei onde vão dar. Eu gosto de olhos, janelas. Eu vejo poesia nas esquinas. No menino de rua, vejo mais o menino que a rua. E fico triste, triste pelos olhares desviados, pelo medo que a gente sente sem querer. No desprezo que deve bater quando alguém levanta o vidro do carro.

Eu não sei viver sem me colocar no lugar do outro, eu não vejo um mundo com olhos de espectador, com olhos de passagem. A paisagem faz parte de mim. O mundo não começa ou acaba no meu umbigo, o mundo é largo demais para os meus braços. E eu não sinto falta do pó nas retinas, do apagar as luzes para dormir em paz. Eu deixo a varanda acesa para lembrar que o mundo vai além de qualquer capricho meu.

Eu sempre tive pés no chão, mas nunca deixei que o cimentassem meus sonhos. O maior deles vem atrelado a um cheiro de livro novo, com meu nome estampado na capa. Porque eu preciso me mostrar, expor o mundo das minhas retinas, eu preciso mostrar que tudo está tão além e que há tanta poesia, meu deus.

Poesia escondida nas esquinas, sentada no ponto de ônibus, no balão da menina no parque, nesse céu tão azul que eu tenho certeza que muita gente não reparou. A minha escrita é meu grito. Há um mundo lá fora e você não viu nada além de prédios, barulho, automóveis e mendigos. Há gente nos prédios, no barulho, nos automóveis, é gente, o morador de rua.

Cada um tem uma história, tem um grito entalado, uma voz meio rouca, algo que o faz bambear. O faxineiro, o homem de terno, a menina de sardas, todos tem algo a dizer, seja sussurrado ou aos berros. O que falta neste mundo, é gente disposta o ouvir. É por isso que minhas palavras gritam.

***

(Ah, hoje é dia de post meu no Essa moça tá diferente, não deixe de nos visitar!)

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Sobre crianças, aeroportos e esperas

Os aeroportos são lugares cheios de histórias, talvez pelo tempo de espera, pela permanência forçada. Há rostos cansados, mãos pesadas e pés apressados. Porém, há um ar de esperança, de chegadas e partidas necessárias, inevitáveis.

As pessoas na porta de saída do desembarque não tiram os olhos do horário/situação dos vôos e se aglomeram na faixa de contenção. Alguns disfarçam a ansiedade, compram jornais e folheiam revistas - como se fizessem leitura dinâmica. Um olho nas letras, outro na porta que, quando se abre, cria uma expectativa imensa. As crianças brincam de passar por debaixo das faixas de contenção enquanto os adultos resmungam e esperam.

Da última vez que estive no aeroporto de Goiânia, no meio de toda a tensão da espera, saiu do portão de desembarque uma moça da limpeza, com uma vassoura e panos de chão. A decepção nos olhos de alguns era visível, quase pude ouvir ao fundo um ‘ahhh’ em coro.

Eu era apenas mais uma dentre tantas pessoas que se aglomeravam à espera de um desembarque. Com a chegada de um vôo vindo de Congonhas, uma mulher com três malas empilhadas em um carrinho de bagagem cruzou o portão. Uma outra senhora abraçou uma menininha de uns 4 ou 5 anos:

- Olha, é a mamãe!... Disse apontando a moça quase escondida atrás das malas.

A criança correu ao encontro da mãe, que, por sua vez, se abaixou e abriu os braços. Porém, a menina abraçou a mala e disse em alto e bom tom:

-Mamãe, a barbie está aqui dentro?

A mãe sorriu desconcertada e, puxando a filha pelo bracinho, abraçou a criança. Definitivamente, as crianças têm um jeito particular de encarar as chegadas e partidas. Quisera os adultos encarar tudo isso com tanta naturalidade.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Desconhecidos familiares

O caminho para o trabalho é feito no meu carro. Tenho um remoto controle do que vejo enquadrado pelas minhas janelas. Entre outdoors descascados e placas de sinalização, encontro os mesmos rostos desconhecidos, porém familiares.

Com certa freqüência, encontro, na esquina de minha casa, um senhor de cabeça branca e mãos enrugadas, porém firmes. Ele segue seu caminho em uma mobilete barulhenta. Não sei qual é o destino do motociclista, mas gosto da vida que salta de seus olhos.

Outros personagens encontro no vermelho dos sinaleiros: o casal que vende mel, com tiras imensas da mercadoria nos ombros, sempre simpáticos, sempre sorrindo. Há também o bêbado que pede dinheiro para voltar para casa. Todos os dias ele é assaltado nas proximidades de um hipermercado.

Na avenida Independência está o senhor que ganha um trocado como estátua viva. Ele reveza: há dias em que é de bronze, noutros prata, em alguns de barro e nos últimos dias: Michael Jackson. A maquiagem branca, a luva e os óculos espelhados fazem do rei do pop o seu sustento.

Logo cedo, cruzo com Joões, Raimundos, Josés e Pedros: catadores de papel que se reúnem atrás de um centro de moda atacadista da cidade. Alguns levam a família em seus carrinhos, filhos empoleirados em castelos de papelão e sucata.

São esses personagens que me acordam, é para eles o meu “bom dia” e “boa tarde”. É para eles o meu primeiro sorriso, mesmo nos dias em que os dias não amanhecem bem. São eles que me chacoalham e tiram a poeira das retinas, são esses rostos desconhecidos, assim tão familiares, que me mostram que a vida, lá fora, continua, mesmo quando a gente decide reclamar com a boca cheia.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Madrugadas, chás e confissões

As janelas se apagam lá fora. O chá esfriando na caneca me traz as noites frias passadas a dois, junto a um filme repetido na televisão. São pequenas coisas que não foram embora, são pedaços de uma história ainda viva, construída pouco a pouco e que agora flerta com uma saudade dolorida. Há fotos sorridentes pelo quarto, perfume nos travesseiros.

Há você em toda a parte, na rua, nos meus discos, letras e cafés. Gosto da maneira como pede um espresso simples, ou até mesmo um duplo, com cara de quem vai ganhar o mundo. E eu, aqui, tomo o meu chá, calada, e peço todas as lembranças boas ao alcance da xícara.

Eu tenho vontade de ligar só para falar do filme repetido, do texto que não fiz, do acontecido na rua, pra dizer apenas oi. Rabisco um texto. Jogo fora: Deixo o destino dizer por si, sem precipitar ou julgar. Caminho devagar e as janelas se apagam lá fora. A luz do meu quarto continua acesa. O sono só vem em doses cavalares, ou nem aparece e, por isso, continuo contando as janelas, em trios, se apagarem. Fico a dizer essas coisas, assim, sem rumo.

Sinto saudades de você me contando os episódios da série favorita, antes mesmo de eu assistir. Agora não há ninguém que sabe a hora de tampar meus olhos para eu não ver o sangue de mentira na tv. Porque é só você que entende essas minhas loucuras e meu estômago fraco. É só você que assiste ao meu lado aos filmes que ninguém mais quer ver. É só você que compartilha os momentos, todos.

Saudade da forma como você desconversa quando quer o silêncio; da forma como abraça quando precisa de atenção. Gosto de todas as novidades, da rotina sempre reconfigurada, da sua paz. Lá fora, a madrugada já é alta, já perdi a noção do tempo e perco meus próprios pés ao procurar os seus. As luzes se apagam, mas não apagam os caminhos.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

O final de qualquer espera

O que fazer quando uma espera acaba? Seja o resultado bom ou ruim, ficamos sempre sem espaço para as mãos, uma lágrima entre o triste e o feliz, uma partida para depois que parte agora, mas não parte nunca. O que fazer com o que se sente quando uma espera acaba?

São coisas novas, passos novos, sonhos largos. São percalços, saudades, tudo misturado, condensado e explosivo. É preciso respirar fundo, gastar as pontas, construir as pontes, rasgar os medos, mantendo apenas cautela e paz de espírito.

Ao final de qualquer espera, é preciso entender que é necessário comemorar sempre, pra viver em paz. Pra saber a hora do silêncio e do grito; a hora da lágrima, do riso e do misturado. É preciso comemorar mais, comemorar sempre.

Quando a espera acaba, é hora do abraço largo e deixar as horas de outras esperas para mais tarde. É o momento para entender que o mundo vem em tempestades, mas devemos conduzi-lo em conta-gotas.

(Leia aqui sobre o tempo de uma espera)

terça-feira, 30 de junho de 2009

Sobre rotinas e visões

A rotina carcomia os olhos, juntava pó em quem tinha pressa em chegar. Cansara de viver em carne-viva. Fazia da tolice uma oportunidade em existir, trazia a ausência necessária para o esquecimento. Não, não tinha sequer a falta de tempo. Estava ocupado demais para pensar em suas perdas diárias, nas dores não cultivadas, na experiência do acaso.

Agia como se soubesse quais caminhos os pés deveriam pisar, mas vivia como se não tivesse pés. Inerte, perdia as cores, o senso, a realidade. Não sabia que é preciso ironia para viver e fazer-se livre. Morava em um nada situado entre o caos e mundo. Sempre que acordava, dormia baixinho para sufocar o restante do azul.

Não morria um pouco por dia, abrira mão, inclusive da morte, pois nela existe uma manifestação proibida para quem se criou da pedra. Não sabia que o vento entalha ou desgasta conforme a secura do olho de quem vê. Tinha posses, mas não amores. Nunca soube quantos sonhos eram necessários para flutuar, que não era preciso dentes para sorrir.

Plástico. Vivia engessando sentimentos e cultivando o hiato das horas. Vivia pelos becos, sobrevivendo em cantos que ecoavam solitários em cantos quaisquer. Empoeirava-se. Por opção, perdia as transformações da vida, tornava-se amargo, sem perceber. A ele, nunca fora negada a liberdade do pássaro, mas os anos mostraram que sua demasiada euforia cortou-lhe as asas e que, por isso, já não mais voava, apenas caia.

De dali em diante seria preciso caminhar se quisesse um destino. Seria preciso pulsar se quisesse sentir. Porém, ele ignorava a construção de destinos e preferia continuar agindo como se soubesse o que queria, fazendo-se infeliz ao ser inerte, ficando estático na tentativa de não ter que respirar.


terça-feira, 23 de junho de 2009

Sobre idades e aniversários

A gente fica um pouco mais velho, um pouco mais carrancudo, todas as vezes em que guardamos o riso para mais tarde. A gente fica mais velho quando pára de reparar as coisas, de se encantar com o caminhão, com o cachorro, com as cores. Tudo adquire o mesmo tom: sério e cheio de pose.

O que nos envelhece não são as primaveras ou os aniversários e sim os invernos gelados que criamos em pleno verão. A gente fica um pouco mais velho quando nós fechamos a janela do carro para o pedinte e chacoalhamos a cabeça baixa pra dizer que não temos um trocado.

Envelhecemos quando caminhar vira apenas obrigação e não uma forma de ver o mundo, contemplar a paisagem. Envelhecemos quando, nas cidades, enxergamos apenas armações de concreto, quando não vemos o coração dos homens que levantaram os arranha-céus.

Admiro pessoas que apesar do terno, que apesar do salto alto, riem, feito criança, do desenho antigo na tv. Elas não envelhecerão nunca. Assumiram suas responsabilidades, conquistaram tantas coisas, sofreram tantas outras e continuam ali: rindo em frente à tv.

O mundo vende por aí um ar de que a responsabilidade precisa ser de um cinza duro, seco. Admiro as pessoas que vão aos parques no domingo de manhã, aos idosos que ainda se sentam nos bancos das praças ou que trabalham, porque assim, não envelhecerão nunca - porque dividir histórias é também forma de não envelhecer.

***

Às vésperas do meu aniversário de 23 anos, sei que assumi a uma série de responsabilidades, tomei as rédeas de minha vida e, ainda assim, a criança ainda vive, canta alto e grita. Não há espaço para a tristeza permanente nas coisas da vida.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Jornalistas-blogueiras lançam o projeto “Essa moça tá diferente” (Nós sambamos assim!)

Um dia a gente se cansa das mesmas coisas, dos mesmos erros, caminhos e por quês. Um dia, a gente resolve mudar tudo, começar de novo. A gente fica diferente porque cresce, termina a faculdade, arruma emprego ou simplesmente muda de opinião.

Três amigas, três jornalistas, três blogueiras que descobriram que a mudança é algo contínuo e, por isso, ninguém tem a noção exata de sua dimensão. Por tantas mudanças e sonhos antigos, eis que surge o projeto "Essa moça tá diferente".

O site quer discutir o dito banal, simples, dizer o que se pensa. Não há intenção de pirâmides invertidas e construção de notícias. Quer, apenas, a vida em letras, da forma que vier.

Serviço:
O quê? Projeto Essa moça tá diferente
Onde? essamocatadiferente.com
Quando? Às Segundas: Ana Paula Vieira
Às Quartas: Marília Almeida
Às Sextas: Ana Flávia Alberton

***

Amigos, este blog não será abandonado. O Essa moça tá diferente é um projeto paralelo, em parceira com duas amigas jornalistas-blogueiras. Espero que gostem!

Abraços.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Debaixo das lonas azuis*

O dia nem amanheceu e já existe um mar azul de lonas e barracas na Praça do Trabalhador, tirando o sono da velha Maria Fumaça que tenta dormir, esquecida, ao lado da antiga estação ferroviária. É a Feira Hippie, a maior da América Latina, que se povoa de um emaranhado de gente que se esbarra entre sacolas e carrinhos.

Porém, tudo começa muito antes. Ainda na tarde de sábado, homens de corpos suados cantam, gritam e fazem barulho enquanto montam o esqueleto de estrutura metálica das barracas. As ruas ao redor da praça ficam interditadas e o trânsito deixa a maestria de lado para cultivar o caos.

De hippie, a feira carrega o nome e pouco menos de uma dúzia de hippies com suas esteiras repletas de artesanato: brincos, pulseiras, cachimbos, anéis. “Moça, moça, tenho um brinco que combina com você!”, “Ei, compra um pulseira para eu inteirar um espetinho para meu filho?”, “Psiu, você, pode vir até aqui?” e assim vão fazendo suas vendas, sustentando as famílias, valorizando sua mercadoria debaixo dos olhos da Maria Fumaça que parece já não mais se importar com o excesso de barulho, talvez porque a feira esteja ali há quase 14 anos.

Neste setor, quase sem representatividade por ser tão pequeno em relação ao tamanho da feira, os hippies dividem o espaço com artesãos diversos: uma senhora magra, com a pele marcada pelo sol, vende vasos de flores, enquanto outra, praticamente escondida atrás de uma pilha de mercadorias e linhas, termina uma peça em crochê. Por ali há sabonetes, cerâmicas, tapetes, quadros que parecem pintados em série e um senhor com seus enormes tachos de cobre. É uma ala pequena, sufocada por um emaranhado de barracas que comercializam roupas, sapatos, brinquedos.

A feira Hippie é uma cidade dentro de Goiânia e obedece a uma lógica totalmente diferente de direção, organização e espaço. “Olha a água mineral geladinha, refrigerante, cerveja”... Mais adiante uma voz se perde: “sacola reforçada, cinco reais a unidade, olha a sacola, dá licença pra eu passar com o carrinho...”. Ali, todos parecem ter pressa, tudo muda com a mesma rapidez em que a Praça do Trabalhador é ocupada no sábado e desocupada no domingo, deixando apenas o rastro de milhares de pessoas que insistem em jogar copos, papéis, latinhas e plásticos no chão.

Ao contrário do que ocorre nas outras feiras da cidade, não há uma área reservada à alimentação. Na Hippie se encontra de tudo, de comida goiana ao típico espetinho de gato e pastel de vento. Vez ou outra, uma barraca de alimentação surge entre as roupas, deixando um cheiro engordurado que não vai embora devido ao trançado de lonas que formam um corredor que protege do sol, mas não deixa o ar circular.

Entre apertadas barracas, há artistas. Pessoas com o dom do desenho fazem retratos na hora, seja por foto ou modelo vivo. Alguns tocam violão em troca de algumas moedas, com a esperança de que alguém compre o sonho de serem reconhecidos. Além das apresentações culturais espalhadas pela feira, há a Rádio Hippie, uma espécie de rádio comunitária que presta serviço de utilidade pública.

Entre um verso de Bruno e Marrone e um sertanejo universitário, anunciam documentos encontrados e pessoas perdidas. “A sua rádio Hippie prestando serviço para você, feirante”. Povoam a feira com um som um pouco mais alto que o da multidão e passam o dia falando sobre promoções, sorteios e distraindo quem faz daquele espaço, local de ofício.

Os filhos de muitos vendedores cresceram entre as barracas. Vieram os cabelos brancos e os netos, mas o trabalho continua. O domingo suado é sustento para o resto dos dias. Os feirantes fizeram a opção de não ter o tradicional almoço em família. É uma classe que festeja aniversários, dia dos pais, das mães, páscoa e qualquer outra data comemorativa debaixo da lona, entre uma venda e outra. É uma classe que não sabe ao certo seu destino, já que há projetos de retirada da Hippie da praça do trabalhador. Uma classe que se apega ao que pode ou aparece e, por isso, tira suas dúvidas com a cartomante apressada, que sempre se perde rápido demais no meio da multidão, debaixo das lonas azuis.

*texto editado.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Vida-improviso

Anda sem pressa de ir embora. Não gosta da chuva, tampouco do sol quando tem que sonhar por aí. Dá três passos, retira o melhor sorriso e decide continuar. São passos largos para caminhos poucos, tempo em que se desgastar é uma espécie de não saber as escolhas e o peso de cada não estar.

Lá, de longe, onde a manhã se encerra um senhor cantarola um samba despercebido e inunda as ruas com uma alegria triste, melancólica quase. Tem um vazio que teima em ecoar a cada nota musical que permeia a graça em se fazer da vida um improviso.

Anda sem pressa de chegar. Um andar cambaleante, um ar perdido na constante marcação pé-direito-pé-esquerdo. Vai morrendo a cada passo e vivendo a cada suspiro. Aos poucos, incorpora o samba flutuante no ar e o deixa solto na vida.

O barulho dos automóveis desaparece com a rotina, gritar já virou costume e, por isso, não ser ouvido também. No horizonte, as noites vão se pondo para amanhecer os sonhos no instante seguinte.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

As esquinas de Cora

Vila Boa de Goiás guarda a graça das senhoras que ainda se debruçam na janela para ver o tempo brincar de estátua. Nessas faces debruçadas, há caminhos cavoucados pelo tempo, pelo sol, destacados pelo sorriso, mesmo que tímido. A casa de Cora Coralina nos convida a sentar na ponte sobre o rio Vermelho e ver essa mistura de passos, compassos de uma vida que vai lenta, lembrando talvez as janelas que olham devagar no poema do Drummond - mas por ali, a vida não parece ser besta.

Os paralelepípedos contam a história da cidade que cresceu entre morros. Goiás velho é um pedaço do passado no meio das tortuosas árvores que formam a flora da região. Os postes, os casarões, o sino da igreja, tudo restaurado, dando espaço ao não esquecimento, ao maravilhar-se diário. A menina feia da ponte ainda está debruçada na janela, olhando o rio e os paralelepípedos de sua vida. Goiás Velho é a poesia Coralina.

No mercado municipal, onde as tradições ainda são fortes, há pamonha cozida-frita, o bolinho de arroz e o empadão goiano. Há a personificação da fé em cada chama carregada por farricocos na procissão do Fogaréu. São esses homens de fé que solavancam a história recontada por passos esquecidos de quem, um dia, ali viveu. A vista do alto do coreto é a mais bonita, principalmente se acompanhada de sorvete de ameixa e boa companhia.

Como toda cidade antiga, os moradores contam suas lendas, cultivam seus fantasmas. A igreja da Matriz, inacabada, nunca terá sua construção completa, a praga foi rogada, o padre foi-se embora e a igreja continuará em reforma nos tempos chamados sempre. O ouro só se faz presente nos dentes dos mais velhos, a mineração deixou apenas as marcas no rio que de vez em quando se revolta e transborda.

As casas da rua do convento do Rosário molham os quintais no vermelho rio, esperando o olhar curioso de quem se senta nos bancos de madeira, embaixo das árvores em flor. As doceiras (teria alguma as receitas de Cora?) gostam de conversa fiada enquanto vendem pedacinhos de céu cristalizados, a quilo.

Uma dessas casas, de grandes janelas, ainda será minha. E molharei os pés nas águas que encharcam o quintal de minha casa e, enfim, terei o céu e pertencerei à história que nunca foi minha – e é de todos nós, herdeiros da poesia, dos casarões e de toda a saudade que a velha Vila Boa de Goiás proporciona dos tempos em que não vivemos.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Goteira, mofo e solidão

As rodoviárias são locais tristes. Carregam lágrimas em suas goteiras. Mesmo quando o momento é de desembarque, tudo em volta ainda respira um “até mais”, ainda que haja abraços, sorrisos. A área de desembarque é um triste carregado de uma espera, da certeza que amanhã ou depois é preciso partir novamente.

No Terminal Rodoviário de Goiânia, travestiram a solidão de shopping Center. As pessoas engolem o choro e dizem adeus entre vitrines, cinemas e praças de alimentação. Em Brasília, a solidão é imensa. A rodoviária da capital do país é suja e feia. Mais que isso: é fria. Assim como o restante da cidade com seus prédios imponentes e seus gramados verdes a perder de vista.

Não poderia ser diferente: o movimento é intenso. Enquanto um namorado despede-se em um interminável “tchauzinho” para a namorada, já dentro do veículo, presa a seu destino, uma senhora chora calada - sentada três bancos adiante - e uma criança brinca com seus patins, em um ir e vir frenético, combinando com o local. Ali se vende de tudo: travesseiros, cachorrinhos que balançam a cabeça, salgados amanhecidos e sorrisos amarelos.

Vez ou outra, alguém encosta pedindo uma moeda para completar o dinheiro do lanche ou da passagem. As rodoviárias são tristes porque não há raízes, a partida é a dona da casa. Mesmo os que ali trabalham, não criam vínculos, não dão bom dia, não sorriem. A solidão é numerada: cada box um destino, cada destino milhares de histórias que nunca ninguém irá conhecer, porque ninguém irá perguntar.

As rodoviárias sufocam o calor humano e a vida passa a ser comandada pela hora de embarcar. A vida passa a ser um número, uma passagem. As rodoviárias são lugares repletos de marcas, destinos esquecidos. Tudo parece transitório, os rostos se perdem ao adentrarem os respectivos ônibus. Em um banco de rodoviária, fica sempre o cinza, o mofo e todos os sonhos que já não servem mais.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Ajudante de mágico

Ele é ajudante de mágico. Com seus seis ou sete anos, pequeno, mirrado e ajudante de mágico. Em sua casa, parte da ilusão do circo foi abalada: conhece os truques, sabe das mágicas, um observador atento aos truques do pai.

Durante a apresentação, parece uma miniatura de mágico, com seus sapatos lustrados, calça preta e camisa branca, com a manga dobrada. Observa a mesa flutuar, a garrafa de refrigerante sumir, o relógio aparecer dentro da lata lacrada de achocolatado. Seus olhos não demandam surpresa e não sorri, como o respeitável público. Apenas observa as mãos atentas do pai.

Segura as bolsas das assistentes retiradas da platéia, é um coadjuvante mudo, porém não cabisbaixo, parece ter orgulho em ser o ajudante do grande mágico. Anda pra cá, volta pra lá, sempre em um passo manso de quem não quer chamar a atenção ou está prestes a desaparecer no ar.

Ao final, distribui cartões com peixes pulantes enquanto o homem vende mais algumas ilusões momentâneas. Ao final, vai embora para casa, de mãos dadas, admirado com o pai e não com a mágica.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Panelas, tampas, laranjas ou empadas

E aí, já encontrou sua metade da laranja? A tampa da panela? A azeitona da empada? Vendem por aí um amor perfeito. Almas gêmeas e amores de sempre sim. Mas...não há amores perfeitos, enquanto formos metade de algo perambulando por aí. Esqueça esta história de protagonistas de filme de amor.

Não há construção de sentimento se nos vimos como metades, em uma busca incessante por tampas, recheios e outras metades. O amor acontece quando as pessoas se fazem inteiras. Quando dizem sim, mas sabem a hora do não. Para aquelas que sabem a hora de partir, por mais dolorido que seja.

Há amor para todo mundo. Porém, quase o mundo inteiro tenta enquadrar o amor em padrões. A pessoa que está por perto nunca se enquadra em todos os requisitos básicos, pois não preenche uma lista de 347 itens da “pessoa ideal”, então, não serve.

Os relacionamentos perfeitos são cravejados por imperfeições. Eles deixaram as listas de requisitos no fundo da gaveta. Aprenderam que algumas qualidades superam alguns defeitos e que a descoberta diária é um prazer enorme. Carinho e cuidado são coisas para construir e, por isso, não são vendidos em embalagens de 500 gramas, não vem em panelas, tampas, laranjas ou empadas.

Sê inteiro. Único. Sólido. Crie espaços, olhe para o lado quando estiver no banco do metrô, no ônibus, no trabalho, na sala de aula ou no café. Não espere demais, seja natural, leve e mantenha os olhos atentos às cores do mundo. Esqueça de uma vez esta história de procurar no outro o que cada um já tem em si. Sê inteiro, feliz por conta própria e então perceberá pessoas inteiras, caminhando em sua direção, quando menos esperar.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Cartões, taxas e telefonemas

Sabe como é, todo mundo acha todo mundo pelo celular. Não há como fugir, fazer de conta que não viu, dizer que não está. Cedo ou tarde eles vão encontrá-lo, com aquela voz de canal de vendas e tentar seduzi-lo, convencê-lo, empurrar-lhe goela abaixo o cartão, o empréstimo, as últimas novidades da semana, tudo a uma taxa de juros bem baixinha.

Eles vêm com aquela animação, dando boa tarde, perguntando se estamos bem. Jogam uma conversa de “como você tem um óóótimo relacionamento em Goiânia, São Paulo, na China e em Marte” estarão enviando totalmente grátis um inocente cartão, com os melhores planos de crédito e empréstimos.

E não adianta dizer que não quer, agradecer, ser educado. Eles querem um motivo, UM motivo apenas para tamanha desfeita. Tentam nos convencer que estamos jogando a sorte pela janela, trancando as portas para a oportunidade perfeita.

Cometemos um crime quando dizemos que não. Com vendedores, consultores e não sei mais o quê, não há escapatórias. Por mais que digamos que não, daqui a pouco os cartões estarão em nossas caixas de correio, contando os minutos para nos afogar em juros, taxas e anuidades.

Quando um deles telefonarem, desejo que você consiga achar uma brecha, uma puxada de ar, uma respiração do outro da linha que ofereça a oportunidade de dizer "não, muito obrigado, eu já vou, um abraço, até amanhã ou mais tarde, em outra ligação".

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Facilidades

Você não tem tempo para fazer compras? Chega cansado do trabalho e não quer saber de happy hour? Você pode resolver todos os seus problemas ligando agora para o nosso canal de vendas.

É fato. A tv a cabo está cheia deles. Jóias baratinhas, só 550 a parcela, peça exclusiva, minha gente! Os canais vendem produtos revolucionários para mudar a sua vida. Você pode ter a sua própria máquina de expresso, freqüentar cafés para quê? O seu happy hour está salvo com as panelas elétricas, grills e máquinas de suco que moem até mandioca. E daí que mandioca crua é tóxica?

Para que se preocupar com produtos de limpeza se você pode ter um revolucionário vaporizador para limpar tudo com o auxílio de uma escada que você pode montá-la de 231 formas diferentes?

Está cansado de fotos com baixa resolução? Agora você pode registrar os seus momentos em uma potente máquina de 12.0 megapixels que é também webcam, gravadora de som, filmadora e canivete inglês. Sua potente máquina fotográfica só não corta batata palha, mas isso é facilmente resolvido com um telefonema para adquirir um superprocessador que também faz suco. Ele é facílimo de montar e limpar, pois é composto apenas por 456 peças distintas. (E na compra do superprocessador você leva inteiramente grátis um exclusivo cortador de legumes em cubos ou palitos perfeitos, que dará ao seu jantar de segunda uma sofisticação nunca antes vista).

Você pode adquirir uma máquina de pão, uma panela elétrica para arroz, omeleteiras, uma máquina de fazer donuts e uma vassoura elétrica. Você pode vender a sua alma e ter uma lista de produtos na prateleira para usar três vezes. Tudo bem, talvez quatro, talvez nunca. É a praticidade do mundo moderno. Daqui a pouco venderão corações e amores, mas, por enquanto, vendem felicidades momentâneas em potes de 500 gramas.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Quanto tempo demora uma espera?

O relógio se arrasta, os minutos parecem brincar de estátua. Quanto tempo demora uma espera? Talvez a mania de cultivar dias dentro de segundos tenha me deixado assim: meio torta, pendendo para o lado esquerdo das coisas. Tenho olhos de interrogação e ressaca, vontade de dormir até que se tornem gastas todas as pontas do mundo.

A vida e sua mania de ser sala de espera. Cultivando em olhos tristes o cronômetro que acompanha o deslize descompromissado do ponteiro que marca os segundos. Aumento os dias para não partir, diminuo as horas para não pensar. Mas, quando o cansaço cansar de esperar, o telegrama aguardará a notícia dentro da caixa de correio. Então, será preciso partir.

Partir para ficar e levar junto. Partir para recomeçar o que já tem começo e pintar bem colorido toda saudade que ficará. Afinal, quanto tempo demora uma espera? Demora o tempo de fechar os olhos, o tempo de dizer até logo, o segundo antes do abraço. Demora a sua falta no cobertor, o segundo antes da chamada, a lucidez imaginária de qualquer caminho flutuante.

Ao final, as horas voarão para dizer que não adianta esperar. E cada passo trará uma nova resposta, um alento, um telegrama novo, uma paz inquieta. Cada passo fará o relógio dormir para que eu possa sempre acordar em uma vida diferente. Para que eu possa dizer dos tempos que se foram e, com eles, traçar as linhas das minhas mãos; para que eu possa fazer de cada segundo, meu minuto.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Sobre paredes, finais de semana e repartições públicas

Quem foi o inventor dos sistemas de ventilação coletiva para prédios públicos? Um dia quente demais, noutros é preciso montar uma fogueirinha no meio do escritório. A blusa já conquistou lugar cativo no carro, junto com o pacote de bolachas para tomar café da manhã ao volante.

Em repartições públicas, paredes são artigos de luxo, há apenas um mar de divisórias, mini-salas com parede de compensado e vidro. As conversas são públicas, a tela do computador também é, vivemos em um voyerismo constante com os trabalhadores da sala ao lado. Ouvimos as piadas, as reuniões, as conversas ao telefone, vemos as visitas no orkut e em sites oficiais. Sabemos os horários de cada um. Incluso a ordem de chegada na repartição.

Às sextas-feiras a quantidade de gente cai consideravelmente e o fluxo de trabalho cresce. Às segundas, a maioria chega após as 9 horas e sai mais tarde que o de costume. Quando o telefone toca, é preciso dez segundos para distinguir de qual lado da divisória sai o som. Há dias em que há uma sucessão de “repartição fulano de tal, bom dia” seguido do som intercalado do telefone - do outro lado do compensado e vidro.

As repartições públicas, olhadas pelo lado de dentro, não são tão burocráticas quanto parecem. Há vida - e pessoas com vontade de produzir cada vez mais, apesar da fama de trabalho manso. Há egos e pilhas de formulários e como em qualquer empresa privada, há limites. A diferença é que não trabalhamos aos finais de semana e as paredes...ah, bom deixar para lá.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Histórias sobre motoqueiros

Acho que não é segredo o meu desapego por carros e trânsito. Neste universo, há duas coisas que me causam pavor: ônibus e motoqueiro. Eles querem disputar espaço, um porque acha que é grande e merece destaque e o outro encara sua pequenez como passe livre para costurar por entre os carros, pessoas, bicicletas e sinaleiros. Hoje dedico minha atenção à segunda espécie descrita.

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Em um tranqüilo dia de domingo, sem trânsito intenso, aguardo o verde do sinal. Um casal motoqueiro pára ao lado.
-Ela entrou no seu orkut, eu não aceito isso e EU SEI que você não aceitaria se fosse comigo!
-Calma benzinho, eu não posso controlar quem entra no meu orkut...
-Não importa, você não aceitaria se algum ex entrasse no meu profile...!!!
Tudo isso, aos berros. O Tom Jobim do meu carro, abafado pela gritaria. O sinal abriu, o moço encostou, a outra saiu berrando, com o capacete nas mãos. Segui meu destino.

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Mais tarde três figuras, duas motos. Dois rapazes, calça jeans, camiseta e boné por debaixo do capacete. Praça Cívica. Uma moça na garupa, de vestido curto e chinelinho. Riam. Alto. Porém, rir não é crime, apenas causa olhares assustados em algumas ocasiões.
Até que depois do terceiro sinal que paramos lado a lado, um rapaz passou a ensinar ao outro - ao que estava com a garota na garupa, a forma correta de arrancada para empinar a moto. Uma, duas, três tentativas. Risos. Quatro, cinco. Mais risos. Tudo bem que, ao final, ninguém empinou moto alguma, ninguém caiu, nem se machucou. (Pelo menos no espaço de quatro sinaleiros).

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Outro dia, um motoqueiro sentiu forte atração pela porta traseira do carro lá de casa. Ultrapassagem pela direita. Achou, ainda, que tinha o direito de ficar com raiva.

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Por falar em ultrapassagem pela direita, há uns dois anos fui descer de um carro parado no sinaleiro. O espaço entre o veículo e o meio fio era pouco menos de um metro. Eu estava no banco do carona. Quase morri atropelada pelo motoboy que faria uma entrega no meu prédio e que, após cruzar pela direita e furar o sinal, entrou na contramão. Já na portaria do prédio, ele veio me perguntar por que eu fiquei brava com ele.

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O pior de tudo é constatar, que quando vemos um motoqueiro que não costura no trânsito e não provoca acidentes, ficamos com raiva, xingamos todos os seus antepassados e, por fim, ultrapassamos, indignados.

Casa nova

Mudei. Casa nova. Projetos novos, sonhos antigos e renovados. Explico que a mudança (do brogui para o blogspot) foi necessária, para não dizer inevitável. Infelizmente o BroguiBlogs “faliu”, ou algo assim. O meu blog, assim como de várias pessoas, saiu do ar.

Nesta casa nova, darei continuidade a um projeto que começou em outubro de 2005 e que vem crescendo. Outras novidades virão em breve. Obrigada a todos que freqüentavam o antigo blog e que estão aqui, descobrindo o que virá.

O endereço é novo, mas a pseudo-escritora é a mesma. Sinta-se em casa, coloque o pé no sofá e boa leitura!