quinta-feira, 20 de maio de 2010

Sístoles e diástoles

Definitivamente não gosto de orelhas de livro e sinopses de filmes. Uma história precisa ser descoberta aos poucos, em cada construção de cena, em cada frase lapidada. As orelhas de livro são divididas em dois grupos: as que expõem por esconder demais e as  que  tiram a graça de qualquer leitura.

Talvez ignore os resumos por gostar de histórias por inteiro, de vidas inteiras procurando as perguntas certas, evitando as respostas prontas. Gosto do caminho que se faz com o passo, gosto de conclusões próprias, mesmo que tardias.

Um livro é uma vida - e vidas incríveis perdem a graça quando resumidas. A leveza cotidiana não cabe na sinopse. O olhar distraído pela arquitetura da velha cidade, o sorriso bobo da criança que percebe o cão, não cabem nas poucas linhas de qualquer orelha de uma intensa vida.Talvez por isso, tenha tantos problemas com resumos.

Não me peça para contar-lhe a história de um filme. Eu lhe direi das cores, dos sorrisos, de qualquer leveza, porque são nos detalhes que se entende um discurso e entender, meu deus, são tantas verdades...No máximo, eu lhe direi sobre tantas coisas, mas não serei clara, tampouco objetiva. Eu ignoro as sinopses, prefiro descobrir a vida ao acompanhar as minhas sístoles e diástoles.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Conversa banal (Ou talvez o mundo ainda tenha solução)

A malemolência do carioca se mistura com um jeito de falar já intimidando, ele gesticula demais. O carioca dá bronca pra desabafar, independente se o outro está, ao menos, errado. Porém, aprendi uma coisa: o supermercado é reduto de pessoas educadas.

Isso não significa que o atendente vai responder ao bom dia -  ou ao menos sorrir. Os cariocas não vão retirar seus carrinhos do meio dos corredores ou pedirão licença.  Ainda assim, seja na fila do caixa, da padaria ou açougue, terá sempre uma velhinha simpática, com seus óculos grandes escorregando pelo nariz. Terá sempre uma velhinha com seu carrinho de feira, de rodinhas velhas.

Ela irá contar da vida, reclamar baixinho, sorrir distraída, enquanto pede o queijo com menos sal. Ela vai lembrar que a vida é difícil, mas doce  -e que se a vista embaça, é só fazer o croché com linha grossa.

Hoje conversei com uma senhorinha de seus lá 70 anos. Ela me contou da reportagem triste que leu sobre irmãs gêmeas que nasceram cegas e mudas. Contou-me que já não consegue mais  se distrair com o artesanato e que já está na fila esperando operação de catarata.

 Hoje eu conversei com uma senhora que tinha olhos firmes e mãos trêmulas. Contou-me de tudo o que é triste e belo. Contou-me sobre tantas outras coisas, sobre tantos mistérios que só a velhice permite as respostas.

Ao final da fila, após pegar 150 gramas de azeitonas verdes sem caroço, me sorriu, agradeceu pela conversa e seguiu seu destino, a passos curtos. Mal sabe ela que foi a sua calma que salvou  meu dia.