sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Mais um ano se despede

Da janela do trabalho, vejo a chuva de papel picado anunciando o final de mais um ano. É o momento de triturar aquilo que não mais serve e defenestrar as tristezas, na expectativa de criar novas esperanças. Na avaliação, não há motivos para reclamar: Foram vitórias calculadas e tantas outras não previstas. Também há de se comemorar cada derrota (mas estas não precisam não precisam de cartazes, pois devem ser lembradas em silêncio, garantindo o acerto dos próximos passos).

Dentre os resultados deste ano, mais importante do que comprar o apartamento próprio, voltar a estudar e atingir estabilidade financeira, está a manutenção das conquistas menos palpáveis e, até mesmo, mais antigas. Porque sentar em um bar ou restaurante sem se preocupar tanto com o total da conta é bom, mas o melhor mesmo é ter amigos verdadeiros para dividir a mesa. Estejam eles no Rio de Janeiro, no planalto central ou em qualquer universo paralelo, o meu grande feito tem se repetido, ano após ano, ao garantir a permanência das grandes amizades, apesar de todas as mudanças.

Outro dia, um amigo comentou que a nossa amizade não era mais uma questão de anos de convivência, já havia se tornado uma questão de vida. E ele está certo. Aprendemos a dividir os dias com pessoas que estão longe, ou mesmo virando a esquina. Elas se fazem importantes pelo volume das risadas e pelo ombro no desespero. São elas que me fazem seguir em frente, para conquistar senão o mundo, o direito de ser feliz com as pequenas coisas cotidianas. É uma questão de vida porque aprendemos a comemorar lado a lado, a confiar, a falar sem medo.

Ter grandes amigos é o resultado de uma vida inteira. E eu sou grata por isso. O gastar dos anos já não mais importa.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Maestro

Em um final de semana, destes de sol, que nos convida para uma caminhada descompromissada, as pessoas correm entre lojas abertas, carros que furam o sinal e uma arquitetura que se esconde atrás dos letreiros luminosos.

Entre espaços onde haviam prédios que foram derrubados por uma dita modernidade, deparo-me com um morador de rua, sentado sobre uma mala.

Vidrado, concentrava os olhos no aparelho de televisão disponível em uma banca de revistas.

Na tela, Pavarotti.

Ele não estava sob uma marquise, nem esquecido em um canto: Fez do largo da Carioca sua sala de estar. Tomado pela música, ignorava o mundo, talvez em uma inversão de papeis.

Enquanto as pessoas corriam, fizera a opção por sequer piscar. Como se na música estivesse todas as respostas das dores cotidianas.

Sentado, rodopiava.

Dançava parado ao som de uma música triste. Parecia alegre. Era ele a única verdade em um mundo inconveniente.Talvez fosse ele, o único que fizera as escolhas do saber viver.
 
No silêncio, aprendeu a orquestrar o caos.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Mêngoo X Vaxcão

Mais do que apaixonado pela cidade, o carioca é fanático por futebol. Rubro negro, alvinegro, tricolor. Independente da combinação de cores, se exaltam na hora do gol.

Não é preciso ligar a televisão, colar o ouvido no rádio: clássico a gente sabe o resultado no grito e silêncio, como tragédia e vitória. 

Campeonato estadual é copa do mundo: heroísmo exagerado em um passe bem feito. Decisão nos pênaltis: um convite à loucura.

Do meu apartamento, sei do gol perdido do Vasco na consagração exacerbada da torcida do Flamengo.

A concentração é o bar mais próximo - o garçom ignora qualquer movimentação: olhos vidrados, marcados na bola. Buzinaço, alegria que se perde na briga da torcida.

Impossível ignorar os jogos, muito menos os resultados contados na quantidade de – mêngooo! E – vaxcão! que escuto dentro da minha sala (mesmo quando os dois times não se enfrentam).

Um grito torna-se continuação do outro: Uma resposta barulhenta, que faz parte do burburinho da cidade. Em minha falta de carioquice, já percebi que o Rio de Janeiro não nos permite ser imune ao futebol.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Pelas mãos



'Ultimamente tem passado muitos anos', e eu não vi o mês de março que acabou. As chuvas de verão já foram, mas o outono ainda ensaia os últimos passos da estação passada, com céu limpo e temperatura alta. Eu não tenho visto o correr das horas de cada minuto.

O tempo voa pra consumir uma espera interminável, mas também fica para dizer das coisas boas do esperar. Ainda assim, tenho visto os amigos, recebido notícias com tanta velocidade que me perco nas minhas faltas e respostas.

Na pressa, é preciso saber do sim e do não. Saber a hora de parar e de sorrir de volta. Procurar formas, realizar-se. Ultimamente, eu não tenho visto o tempo. Me perco entre o domingo e a sexta-feira.  Porém, mais triste que a pressa, é o não saber ficar. Entre um lugar e outro, me fixei. Raízes suspensas para ter o direito de recomeçar. (E respirar. E saber o meu).

 A vida é feita assim: de escolhas automáticas, de tristezas passageiras e daquilo de bom existente em um dia cheio: um almoço, uma boa companhia, um conselho ou uma risada. Os anos passam e me carregam pelas mãos.

Em contrapartida, me deixam histórias, pessoas, vontades. Os anos me fazem livre para ser  diferente daquilo do que fui e serei. Os anos me dão espaço para ser o hoje. O tempo não traz consigo a conformidade com a paisagem, mas sim  uma alegria real de se ter o controle e um amanhã baseado em toda leveza existente na loucura de cada amanhecer.

sexta-feira, 11 de março de 2011

A casa

Respirou fundo e abriu a porta. Aproveitando a fresta de luz, constatou: As falhas na parede apontavam a continuidade de um caminho que já desgastado. Parecia que ela abria sulcos para as promessas passarem. Quantas promessas! Uma vida inteira baseada no não saber, na falta de motivos ou coragem de continuar.

O rachado surgia no ponto baixo da parede, próximo ao azulejo do chão e subia vagarosamente, formando rios, galhos, continuações de uma história perdida entre as paredes daquela casa. Há tanto não entrava ali.

A poeira tomou conta das poltronas cobertas com lençóis velhos. As coisas foram abandonadas para que a vida pudesse seguir. Cada passo na casa era um pedaço de uma história esquecida não só pelo querer esquecer, mas também pela a memória que brinca traiçoeira e apaga os detalhes. A dor já não parecia estar ali.

Acendeu a única lâmpada que ainda funcionava na casa, viu o que o tempo manteve tudo intacto, translúcido à memória e pálido em seu lugar de origem. Tudo suspenso esperando a hora de recomeçar o que já não tinha começo, nem meio.

Descobriu os móveis da sala, limpou com a manga da camisa o pó acumulado no porta-retratos. Um sorriso tão largo na fotografia já levemente amarelada. Definitivamente foi feliz ali.

Se viu menino correndo entre as pernas dos adultos, adolescente se perdendo nas pernas da amada. Viu-se homem perdido, sem rumo, nem nada.  Ali, estava a sua vida, escondida debaixo de cada lençol.

Puxava o pano, caia poeira da alma. A paina da memória à contraluz. Passou a noite ali, fez festa para espantar a nostalgia, inventou os caminhos, reviveu para que fosse permitido voltar a viver em paz com o que sempre foi.

(Rio de Janeiro, 2 de agosto de 2010, publicado originalmente no mocasdiferentes.wordpress.com)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

No Restaurante

Meio-dia. Hora exata para entrar em um restaurante e participar da falsa e obrigatória comemoração de se dividir a mesa com desconhecidos. É o momento de sentir-se um forasteiro na terra de pessoas mudas ou, ainda, de escutar conversas privadas em mesas públicas.

Não é mais uma arte tornar-se invisível em um lugar onde não há cadeiras vazias: Ninguém se percebe, não há sequer o pânico de semi-conhecidos.

Nestas horas, há apenas olhos vidrados em seus próprios pratos, perdidos entre a salada e um bom filé.

Solidão que se anuncia na pressa da grande cidade que não tem tempo para a história de seus dias. O almoço, principalmente nos dias úteis, é o melhor anúncio para um estilo de vida independente (na verdade um tanto solitário).

A regra é o não incomodar, não incomodar-se.

O máximo que dirão será um “com licença” ou “o lugar está ocupado?”. É necessário se acostumar: A fala ficará restrita a um pedido de bebida ao garçom. Não sobra espaço, nem ar. Não espere um sorriso, uma cortesia, muito menos um possível amigo. A cidade convida para o almoço, mas traz à mesa a ausência de rostos – e alma.