quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Do amor despercebido

Ela é apaixonada. Não sabe fazer nada se não por amor. Não sabe fingir ser o que não é; não sabe fazer de conta que tudo é normal, normal. As coisas são e pronto. Ou pelo menos é assim que deveria ser. É apaixonada pela forma contrária das coisas ou pelo menos da visão contrária dos pontos de vista da maioria.

Costuma ver mais poesia em um pássaro sozinho do que em algumas obras expostas em museus. Não é que não saiba valorizar a arte, mas não acredita que ela esteja em tudo o que rotulam por aí de genial. A genialidade, muitas vezes, está na rua. No som barulhento da orquestra de metrópole, com todos seus ônibus e conversas alheias, misturadas, com seus artistas que encantam as calçadas.

 Ela é apaixonada. Milhões de livros, prosa e poesia. Mas não costuma acreditar muito em best seller. seriam todos eles, tão bons assim? Gosta da falta de pontuação proposital de Saramago, porque sempre se depara com a falta de algumas vírgulas pela vida que acabam por dar mais sentido às dores e sorrisos largos.

Apaixonada: Pela música. Talvez por isso, tenha forte resistência a escutar a programação do rádio. Nem todo barulho é música e nem toda voz afinada merece ser ouvida.

Vê a vida feito um samba, com aquela alegria-triste e aquela tristeza-esperançosa. Ela é apaixonada por todas as nuances, pelos olhares, pela cor dos dias. Ela é apaixonada por tudo que tenha opinião, mesmo que esta opinião seja o contrário de tudo o que já pôde acreditar na vida.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Do que pode ser nítido

Tenho mãos atadas e uma confusão de palavras. Tenho o que eu não sei dizer e incomoda e traz calafrios. Tenho um coração prestes a pular e uma vontade imensa de voar por esse céu hoje tão sem estrelas, vagar por essa vida iluminada pela luz artificial de qualquer cidade.

Às vezes as lágrimas insistem em pular sem acenar histórias, sem nostalgia ou perda. Tenho o incômodo das manhãs de sol, dos dias quentes, secos e duros. Eu tenho uma pilha de livros, uma porção de teorias e uma vida esperando lá fora, longe e tão perto.

Eu tenho tudo o que não sei dizer, de uma falta que eu não sei explicar, de uma vontade que é melhor nem saber. Sim, eu tenho um futuro e um jogo do contente. Eu tenho você assim: no que eu não vejo.

Eu me tenho no palpável - o resto é história, negativo exposto à luz. Eu tenho uns discos velhos, canções repetidas para dores diferentes. Não gosto da vida contada em letreiro de néon. Tenho tudo o que é translúcido e vivo buscando a nitidez.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Conversas com espelhos

É, pois é... Quais eram os planos? Aliás, havia algum a se cumprir? Dou dois passos rumo ao horizonte, a queda pode ser grande, a loucura pode ser asco, mas é necessário tentar. Se a gravidade puxar, se eu não for mais leve que o ar, me desculpe, mas eu vou cair. E será um precipício a minha própria verdade e será um adeus o meu amanhã.

Eu me esqueci, eu juro que me esqueci se coloco as mãos nos bolsos, se assovio, olho de lado ou danço. Os meus olhos andam cansados, o meu corpo me consome e se enrosca e se perde em lençóis. O que eu vejo daqui? Prédios e deslumbres. Vejo gente sendo o que não é, trocando as noites, trocando as pernas, os amores, trocando o que não dá pra trocar pra lá na frente se arrepender e pedir um perdão.

Talvez, virando a esquina, alguém perdoe as suas falhas, mas o mundo costuma ser cruel, meu caro. É, quando a gente só vê o novo, às vezes tropeça no próprio deslumbramento. Eu sei que há a mania de fazer roteiros pelo prazer de mudar o itinerário no meio do caminho. Mudança nunca foi condenação. O que se condena é a mentira em sorriso claro, mas nunca limpo.

Vamos, você ainda não me respondeu: quais eram os planos? Acho que a corda bamba não estava no roteiro original. Essa coisa de não saber pra quem sorrir é desgastante, menos, porém, do que mostrar os dentes a qualquer um. Estou esperando a resposta, a fila à minha espera, já dobra o jardim. Talvez você me encontre por lá, talvez além mar, além de qualquer expectativa sua.

Talvez você não me veja nunca mais ou eu me transforme em um sonho que nunca existiu. A gente é um pouco daquilo de quem está por perto, de quem a gente escolhe. É preciso lembrar que o sol cega, depois queima. Por isso, eu prefiro cultivar caminhos e veias sob a minha pele.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Um mundo pra mais tarde

Você quase nunca diz nada. Apenas me olha com um sorriso bobo e pede pra deixar o mundo pra mais tarde. Mais quantos verões jogados ao lixo? Quanto tempo você precisa pra me dizer que não me ama mais? Uma semana, uma hora, a vida inteira? São coisas que não podem ser adiadas, deixadas de lado como esperança pra mais tarde.

A vida é urgente. A loucura é urgente. Urgente são todos os meus passos, mesmo que em círculos, mesmo que desencontrados. As coisas acabam por sair do eixo quando não somos o eixo das próprias escolhas. Quanto tempo mais você precisa pra dizer que me ama?

As janelas estão abertas, meu bem. É um vento frio que vem no meio da noite e me tira do chão, é o que eu não explico, é o que eu não sei e não previ, mesmo sendo previsível todo final ou começo. Quanto tempo você precisa pra dizer que.?

Eu nunca tive a vida inteira. Eu nunca tive sequer o amanhã. A vida é agora, o sol me chama, é preciso voar, eu preciso de.

Adeus, até quem sabe daqui a meia hora, ou, sabe-se lá, até o nunca mais. Até o tempo das escolhas acertadas, dos relógios desnecessários, das decepções enterradas e dos arranjos de flores. Até o tempo em que as nossas horas se encontrem ou se percam de vez.

Adeus.

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Este texto faz parte de um meme proposto pelo meu grande amigo Renatim Pirei que escreve sempre com tanta sensibilidade no Depois eu penso. A proposta é que os indicados façam um texto como se rompesse com alguém. A ideia foi inspirada na exposição Cuide de Você, da francesa Sophie Calle, que convidou 104 mulheres para interpretarem um email de seu ex-namorado que gostaria de romper o relacionamento de ambos.

As regras do meme:

1 – Escrever uma carta como se você estivesse rompendo com seu (sua) namorado (a);

2 – Escrever estas regras e uma breve explicação do que é o meme (como essa aí de cima);

3 – Indicar cinco pessoas.

Repasso a brincadeira e o exercício textual para as minhas companheiras de Essa moça tá diferente: Ana Paula e Marília Almeida, para Fran Rodrigues e suas lentes de Contato, para os meninos do Copacubana e para a rainha da faxina interna, Isaura Carrijo.