segunda-feira, 28 de março de 2011

Pelas mãos



'Ultimamente tem passado muitos anos', e eu não vi o mês de março que acabou. As chuvas de verão já foram, mas o outono ainda ensaia os últimos passos da estação passada, com céu limpo e temperatura alta. Eu não tenho visto o correr das horas de cada minuto.

O tempo voa pra consumir uma espera interminável, mas também fica para dizer das coisas boas do esperar. Ainda assim, tenho visto os amigos, recebido notícias com tanta velocidade que me perco nas minhas faltas e respostas.

Na pressa, é preciso saber do sim e do não. Saber a hora de parar e de sorrir de volta. Procurar formas, realizar-se. Ultimamente, eu não tenho visto o tempo. Me perco entre o domingo e a sexta-feira.  Porém, mais triste que a pressa, é o não saber ficar. Entre um lugar e outro, me fixei. Raízes suspensas para ter o direito de recomeçar. (E respirar. E saber o meu).

 A vida é feita assim: de escolhas automáticas, de tristezas passageiras e daquilo de bom existente em um dia cheio: um almoço, uma boa companhia, um conselho ou uma risada. Os anos passam e me carregam pelas mãos.

Em contrapartida, me deixam histórias, pessoas, vontades. Os anos me fazem livre para ser  diferente daquilo do que fui e serei. Os anos me dão espaço para ser o hoje. O tempo não traz consigo a conformidade com a paisagem, mas sim  uma alegria real de se ter o controle e um amanhã baseado em toda leveza existente na loucura de cada amanhecer.

sexta-feira, 11 de março de 2011

A casa

Respirou fundo e abriu a porta. Aproveitando a fresta de luz, constatou: As falhas na parede apontavam a continuidade de um caminho que já desgastado. Parecia que ela abria sulcos para as promessas passarem. Quantas promessas! Uma vida inteira baseada no não saber, na falta de motivos ou coragem de continuar.

O rachado surgia no ponto baixo da parede, próximo ao azulejo do chão e subia vagarosamente, formando rios, galhos, continuações de uma história perdida entre as paredes daquela casa. Há tanto não entrava ali.

A poeira tomou conta das poltronas cobertas com lençóis velhos. As coisas foram abandonadas para que a vida pudesse seguir. Cada passo na casa era um pedaço de uma história esquecida não só pelo querer esquecer, mas também pela a memória que brinca traiçoeira e apaga os detalhes. A dor já não parecia estar ali.

Acendeu a única lâmpada que ainda funcionava na casa, viu o que o tempo manteve tudo intacto, translúcido à memória e pálido em seu lugar de origem. Tudo suspenso esperando a hora de recomeçar o que já não tinha começo, nem meio.

Descobriu os móveis da sala, limpou com a manga da camisa o pó acumulado no porta-retratos. Um sorriso tão largo na fotografia já levemente amarelada. Definitivamente foi feliz ali.

Se viu menino correndo entre as pernas dos adultos, adolescente se perdendo nas pernas da amada. Viu-se homem perdido, sem rumo, nem nada.  Ali, estava a sua vida, escondida debaixo de cada lençol.

Puxava o pano, caia poeira da alma. A paina da memória à contraluz. Passou a noite ali, fez festa para espantar a nostalgia, inventou os caminhos, reviveu para que fosse permitido voltar a viver em paz com o que sempre foi.

(Rio de Janeiro, 2 de agosto de 2010, publicado originalmente no mocasdiferentes.wordpress.com)