quarta-feira, 9 de junho de 2010

Canção para dias mornos

Lá fora uma chuva fina. Daquelas que, aos poucos, desenterram os mortos. Uma chuva pra tirar a pressa, trazer qualquer nostalgia barata de um tempo que não foi tão bom.  Fico a contar as janelas, as luzes que se apagam, a colecionar a vida que circula por aí.

Eu me encontro pelas esquinas. Perco-me nesta música surda, no caos ordenado, nas cartas marcadas. Mas deixa a música tocar, tomar conta do mundo. Uma hora o caos acaba e a alma dança sem rótulos.

Essa chuva que cultiva o que não tenho, deixa o sorriso suspenso e a lágrima escondida. Ainda assim, eu deixo a tristeza pra mais tarde, para o nunca - ou mesmo ao travesseiro. Construo o que não tenho; o amanhã é logo hoje, não é? 

Deixa a música acabar, deixa a vida ir se levando, mesmo com pés trôpegos, mesmo que apertada, mesmo que... Deixa a vida ser mais leve, mais vida e acaso. Saiba que há momentos claros,  mesmo em dias mornos.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Moças Diferentes

Quem me acompanha por aqui sabe que há quase um ano, comecei, junto com duas amigas, com o Projeto Essa moça tá diferente! que nada mais é do que um blog para publicação dos nossos textos e discussão de diversos temas.

Logo que o site começou a dar certo e o número de visitas aumentou consideravelmente, a empresa que cuidava do nosso servidor parou de oferecer o serviço e o Essa moça foi retirado do ar.

Decidimos voltar, agora com atualizações diárias: textos, comentários, músicas, literatura. Espero sua visita lá no Moças Diferentes.

O Ana Flávia Alberton continuará aqui e será atualizado também com mais frequência, então, não me abandone por aqui também.

=) 

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Sístoles e diástoles

Definitivamente não gosto de orelhas de livro e sinopses de filmes. Uma história precisa ser descoberta aos poucos, em cada construção de cena, em cada frase lapidada. As orelhas de livro são divididas em dois grupos: as que expõem por esconder demais e as  que  tiram a graça de qualquer leitura.

Talvez ignore os resumos por gostar de histórias por inteiro, de vidas inteiras procurando as perguntas certas, evitando as respostas prontas. Gosto do caminho que se faz com o passo, gosto de conclusões próprias, mesmo que tardias.

Um livro é uma vida - e vidas incríveis perdem a graça quando resumidas. A leveza cotidiana não cabe na sinopse. O olhar distraído pela arquitetura da velha cidade, o sorriso bobo da criança que percebe o cão, não cabem nas poucas linhas de qualquer orelha de uma intensa vida.Talvez por isso, tenha tantos problemas com resumos.

Não me peça para contar-lhe a história de um filme. Eu lhe direi das cores, dos sorrisos, de qualquer leveza, porque são nos detalhes que se entende um discurso e entender, meu deus, são tantas verdades...No máximo, eu lhe direi sobre tantas coisas, mas não serei clara, tampouco objetiva. Eu ignoro as sinopses, prefiro descobrir a vida ao acompanhar as minhas sístoles e diástoles.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Conversa banal (Ou talvez o mundo ainda tenha solução)

A malemolência do carioca se mistura com um jeito de falar já intimidando, ele gesticula demais. O carioca dá bronca pra desabafar, independente se o outro está, ao menos, errado. Porém, aprendi uma coisa: o supermercado é reduto de pessoas educadas.

Isso não significa que o atendente vai responder ao bom dia -  ou ao menos sorrir. Os cariocas não vão retirar seus carrinhos do meio dos corredores ou pedirão licença.  Ainda assim, seja na fila do caixa, da padaria ou açougue, terá sempre uma velhinha simpática, com seus óculos grandes escorregando pelo nariz. Terá sempre uma velhinha com seu carrinho de feira, de rodinhas velhas.

Ela irá contar da vida, reclamar baixinho, sorrir distraída, enquanto pede o queijo com menos sal. Ela vai lembrar que a vida é difícil, mas doce  -e que se a vista embaça, é só fazer o croché com linha grossa.

Hoje conversei com uma senhorinha de seus lá 70 anos. Ela me contou da reportagem triste que leu sobre irmãs gêmeas que nasceram cegas e mudas. Contou-me que já não consegue mais  se distrair com o artesanato e que já está na fila esperando operação de catarata.

 Hoje eu conversei com uma senhora que tinha olhos firmes e mãos trêmulas. Contou-me de tudo o que é triste e belo. Contou-me sobre tantas outras coisas, sobre tantos mistérios que só a velhice permite as respostas.

Ao final da fila, após pegar 150 gramas de azeitonas verdes sem caroço, me sorriu, agradeceu pela conversa e seguiu seu destino, a passos curtos. Mal sabe ela que foi a sua calma que salvou  meu dia.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Da eternidade do efêmero

Quisera congelar aquele momento. Talvez emoldurá-lo, mas não para contar vantagem e sim para poder admirá-lo, todos os dias, sem folhear a memória.

Até mesmo porque a memória é falha e sempre reconta a história de uma forma diferente. Emoldurá-lo para que talvez se lembre, para sempre, de cada sensação, de cada pensamento que entrava em choque, perdido em dúvidas e ansiedade.

Tudo porque dentro de um instante há milhares de instantes que percorrem e perguntam onde encontrar o momento certo, preso a tantos presentes distintos e amenos.

Quisera guardar aquele e todos os fatos existentes em tempos paralelos num tempo absoluto. Mas o destino, brincalhão, preferiu oferecer momentos contínuos de felicidade, evitando prender o olhar a um momento: Ofereceu-lhe a eternidade de tudo o que é efêmero.

Daí em diante, a vida pôde ser um filme sem cortes, de sorrisos largos, de dias bons, mesmo em momentos ruins. Daí em diante, se pôde entender que não é preciso emoldurar a alegria, basta simplesmente estendê-la a mão.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Fasten seat belt while seated – Use seat cushion for flotation

Não há como pensar em um aeroporto. A confusão de vozes no alto-falante ocupa a paz existente para qualquer pensamento, não há espaço para algo que vague solto. O barulho inibe  aquela sensação de que a gente pensa sem pensar, sem saber os motivos e muitas verdades.

Parece haver espaço  apenas para a dor de cabeça, enquanto nomes e voos são anunciados 30 vezes como "última chamada". A cada 40 segundos, uma mensagem nova, um boa noite novo e vozes que se alternam e se perdem com a graça de quem não teve treinamento para falar em um rádio ou microfone.

Atenção clientes do voo 3520, devido ao reposicionamento da aeronave, o embarque imediato deve ser realizado pelo portão C, localizado no piso inferior deste aeroporto.

Só sei que em um tempo de 20 minutos (das duas horas de espera no aeroporto de Brasília), anunciaram um tal de sr. Macário nove vezes para o voo 3520, com destino a Salvador, Aracaju e conexões, embarque pelo portão C, de casa.

Além disso, é importante lembrar que, não importa o destino, se você está em um aeroporto, sempre será solicitado o documento de identificação e o cartão de embarque, tudo, claro, segundo determinação da ANAC, desde o dia 1º de março de 2010.

Tive a impressão de que, a qualquer momento, uma voz nem tão aveludada assim, anunciaria no alto-falante: Chamada final. Piso inferior. Por favor, senhor Macário, mesmo que eu o chame mais dez ou quinze vezes, esta é a ultima chamada. Por favor, me atenda, venha ao portão, o piso é o inferior... Por favor, senhor Macário, vamos lá, é só descer as escadas localizadas no centro do primeiro piso. E a  voz já sem veludo algum continuaria insistindo eternamente até que o Sr. Macário resolvesse cooperar e descer as escadas para procurar o número ou letra indicado como portão de embarque.

Entre vozes alternadas no alto-falante, crianças que correm, senhores engravatados e turistas sem pressa, me perco com tantos destinos que não me pertencem. Porém, eu sei que, ainda assim, terão prioridade em cada um desses embarques mulheres acompanhadas de crianças de colo, idosos, clientes cartão fidelidade azul, pessoas que necessitem de ajuda especial e, claro, o sr. Macário que atrasou o 3520, porque tomava um café.

sábado, 27 de março de 2010

Dos amores que não vivi

Dos amores que não vivi, guardo as lembranças boas. Guardo o trevo de quatro folhas, guardo cartas, poemas e bilhetes sem nome. Eu guardo a escolha que fiz - ou que a vida já me deu pronta. 

Eu reconto os dias pelo amores vividos e marco a respiração por aqueles que não tiveram (ou não me deram) a escolha do apaixonar. Sim, porque se apaixonar é uma escolha diária, minimalista e necessária.

Eu me apaixonei pelos amores que não vivi. Cada qual por seu motivo e mistério. Acabo por me perguntar onde estaria se o amor fosse outro, se eu tivesse me apaixonado pelos números, não pelas letras, se eu preferisse os louros, se eu não gostasse tanto dessa coisa de viver em paz.

Não, eu não deixei de me apaixonar para não perder a calmaria. Eu não me apaixonei porque não pude, porque as chaves já estavam com outro, porque as letras já me consumiam, porque não havia mais espaço.

Ainda assim, sobrou a brecha dos amores que não vivi, sobrou a lembrança boa - e tola de quem fui. Sobrou vocês, eu, todos os números. Sobrou todas as faltas para que outras presenças fossem necessárias, marcantes e eternas.

 Sobrou todo resquício, verso, papelzinho perdido na bolsa. Sobrou cada sorriso e lágrima dos amores que não vivi.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Recesso 2 - A missão

Mais uma vez, o "Ana Flávia Alberton" entrará em recesso. Amanhã começo mais um mês carioca e, por isso, devo ficar afastada de todas as ferramentas virtuais. Talvez neste meio tempo, poste algo, mas a rotina só será retomada ao final de março.

O Rio de Janeiro é sempre sinômino de alta produção, voltarei com novidades.

Abraços aos passam sempre por aqui.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Por cartas e cartões postais

Não sei qual foi a última vez em que uma carta me chegou pelo correio. Apenas os bancos, o serviço de telefonia e o setor de marketing de diversas empresas me enviam correspondências – mas não dizem sequer um “oi” sincero, trazem apenas valores cifrados e datas a respeitar. Quando muito, um “oi” impresso, seguido de meu nome completo (quanta informalidade!) e me oferecendo uma oportunidade incrível que eu prefiro perder.

Por isso, não sei mais qual foi a última vez em que um amigo me enviou uma carta. As minhas, viraram objeto de coleção, recontam a vida em linhas rasuradas. Hoje eu recebo emails. Não que eles sejam ruins, mas não carregam consigo a expectativa existente entre o envio e a chegada, entre a mão que escreve e os olhos que lêem apressados, exclamados em novidades.

Conheço pessoas que guardam postais dos lugares por onde passaram. Eu coleciono parte da minha vida em envelopes com selo, carimbo e data. Eu guardo uma nostalgia de quem viveu antes do instantâneo, de quem gosta do barulho de máquina de escrever e tinta de caneta sujando a mão.

A verdade é que os correios já não suprem a velocidade da chegada, nunca foram instantâneos. Ganhamos a necessidade da pressa, perdemos o charme. Hoje, as letras são corrigidas sem rasuras, corretivos, não deixam marcas, nem saudades. São automáticas, consomem, informam e morrem esquecidas, entulhadas entre spams e emails de trabalho.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Esquinas da escrita

O Rio de Janeiro desperta em mim a vontade compulsiva pela escrita. As referências à alguns escritores prediletos estão espalhadas por aí. Aqui, música e literatura se misturam - e não falo dessa coisa de novela de Manoel Carlos de andar no Leblon ou Copacabana cantando bossa em inglês.

Na travessa do Ouvidor, no meio do caos do centro da cidade, está a antiga sede da Academia Brasileira de Letras e todas as referências ao bruxo do Cosme Velho. No Ouvidor também repousa a imagem de Pixinguinha, imortalizado em uma estátua de bronze - e que parece ministrar o caos e a pressa de quem passa e não vê.

Procuro João do Rio, ou ao menos o Rio de João, nas esquinas, becos, nos velhos casarões. Procuro o Rio de João nas ruas que, de alguma forma, ainda estão lá.

É só no Rio que você pode cruzar com o Ferreira Gullar, cheio de sacolas e se arrepender de não ter sido inconveniente, de não ter trocado uma palavra, de sei lá, não ter oferecido ajuda com as compras.

É só no Rio que você vê a Ipanema do compositor e grande escritor "Vininha" e os bares que Rubem Braga freqüentava com seus amigos raros. Aqui está a Copacabana de Braga (Ai de ti!), o amarelinho de fim de tarde na Cinelândia, a Biblioteca Nacional, o Gabinete Português de Leitura.

Aqui está o subúrbio, a ilusão e amores cantados por Chico, Melodia, Cartola e tantos outros. O Rio carrega na alma a alma de muitos que fizeram desta cidade o palco de suas histórias, deixando no ar uma mistura de realidade e ficção.

Aqui está a literatura espalhada pelos cantos, aquela que foge das livrarias e toma as ruas, povoa o ar e encanta a cada esquina do saber andar pelo o que já foi escrito.

(Rio, Janeiro de 2010)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Vida: modo de fazer

Eu gosto da vida que dobra a esquina e das estátuas esquecidas. Meço perdas e ganhos no tamanho de minha loucura. Tenho mente aberta e mãos lúcidas. Pouco espaço para muita alucinação. Não me digam que é hora de parar, que o tempo acabou ou que não há mais destino. Pouco importa se é mesmo para lá o caminho. Eu faço meu Norte.

Eu vivo pra fazer meus acasos, coordenar o sorriso e a intensidade do necessário. Faço meus motivos e minhas verdades. Eu vivo pra trombar com seu futuro na minha esquina. O resto é invenção. Não há circo montado, apenas a leveza e braços abertos pra qualquer olhar atento.

Espalho fotografias pela casa para esquecer da solidão. Eu danço sem música, esqueço o compasso e canto fora do tom. Não me importam os motivos, nem as opiniões. Eu traço meu destino, esqueço as linhas das mãos.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Pra não me perder ao final da tarde

Minha casa é o mundo: nem lá, nem cá. Um lugar suspenso, perdido e encontrado. Meu lugar é saudade - daquela cheia de motivos e nomes.

Eu colecionava verdades em potes coloridos, hoje as cores tomam o ar e se fazem na ausência ou junção.

Minha casa é a ponte, qualquer elo ou verdade. Não há janelas, nem portas, apenas destinos cruzados em um lugar chamado “não sei onde”.

Minha casa é a chuva, o vento e o que vier. É a verdade, mesmo que crua ou torta. Eu costumava ter mais certezas. Hoje restaram as dúvidas e toda a pontuação.

Eu costumava ver mais talvez em uma felicidade descabida.  Hoje, qualquer alegria me serve, qualquer tamanho de sonho bom.

 Aprendi a viver pelos motivos mais justos ou certos. Minha casa é suspensa, minha alma canção. Se quiser companhia, me estenda o abraço, me tenha nas mãos.

Se estiver ao meu lado, me diga a verdade, me olhe nos olhos. Eu prometo mostrar o mundo escondido em um assobio distraído de realidade.

Aí, então, eu contarei o nome da rua, o número suspenso da casa e terei nos dias qualquer motivo para não cultivar felicidades ao avesso.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Recesso

O blog ficará sem novas atualizações durante todo o mês de janeiro. Mês que vem volto com novidades.

Agora deixe-me ir que o Rio de Janeiro de espera!

Obrigada a todos que passam por aqui constantemente. Até a volta.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Acenando um tchau

Fico me perguntando por que há tanta gente infeliz neste mundo. Ser triste parece modismo, ser problemático, status. Há sempre um defeito, uma imperfeição. Há sempre uma vírgula fora do lugar, um desespero, um show montado.

As pessoas exigem demais do mundo, delas mesmas, perdem a graça e o sorriso. Elas se fazem infelizes: se irritam com o trânsito, com a demora, com a espera e a saudade. Abrem mão para não sentir falta e se sentem infelizes justamente pela ausência que causaram.

Se faz sol, está muito quente. Se chove, estraga o passeio. As pessoas querem sempre vidas nubladas. São infelizes porque confundem o intenso com o capricho. São infelizes porque escolheram viver assim: na correria, na falta de olhar, no imediato. Gostariam que o mundo funcionasse por meio de lâmpadas mágicas: todo desejo atendido a um estalar de dedos. Gostariam de ser mais magras, altas, ricas ou com o nariz arrebitado.

Mas não, a vida não se realiza com desejos atendidos de imediato e, por isso, as pessoas se ocupam cultivando a infelicidade e não percebem a alegria, na vidraça, acenando um tchau.