quarta-feira, 10 de junho de 2009

As esquinas de Cora

Vila Boa de Goiás guarda a graça das senhoras que ainda se debruçam na janela para ver o tempo brincar de estátua. Nessas faces debruçadas, há caminhos cavoucados pelo tempo, pelo sol, destacados pelo sorriso, mesmo que tímido. A casa de Cora Coralina nos convida a sentar na ponte sobre o rio Vermelho e ver essa mistura de passos, compassos de uma vida que vai lenta, lembrando talvez as janelas que olham devagar no poema do Drummond - mas por ali, a vida não parece ser besta.

Os paralelepípedos contam a história da cidade que cresceu entre morros. Goiás velho é um pedaço do passado no meio das tortuosas árvores que formam a flora da região. Os postes, os casarões, o sino da igreja, tudo restaurado, dando espaço ao não esquecimento, ao maravilhar-se diário. A menina feia da ponte ainda está debruçada na janela, olhando o rio e os paralelepípedos de sua vida. Goiás Velho é a poesia Coralina.

No mercado municipal, onde as tradições ainda são fortes, há pamonha cozida-frita, o bolinho de arroz e o empadão goiano. Há a personificação da fé em cada chama carregada por farricocos na procissão do Fogaréu. São esses homens de fé que solavancam a história recontada por passos esquecidos de quem, um dia, ali viveu. A vista do alto do coreto é a mais bonita, principalmente se acompanhada de sorvete de ameixa e boa companhia.

Como toda cidade antiga, os moradores contam suas lendas, cultivam seus fantasmas. A igreja da Matriz, inacabada, nunca terá sua construção completa, a praga foi rogada, o padre foi-se embora e a igreja continuará em reforma nos tempos chamados sempre. O ouro só se faz presente nos dentes dos mais velhos, a mineração deixou apenas as marcas no rio que de vez em quando se revolta e transborda.

As casas da rua do convento do Rosário molham os quintais no vermelho rio, esperando o olhar curioso de quem se senta nos bancos de madeira, embaixo das árvores em flor. As doceiras (teria alguma as receitas de Cora?) gostam de conversa fiada enquanto vendem pedacinhos de céu cristalizados, a quilo.

Uma dessas casas, de grandes janelas, ainda será minha. E molharei os pés nas águas que encharcam o quintal de minha casa e, enfim, terei o céu e pertencerei à história que nunca foi minha – e é de todos nós, herdeiros da poesia, dos casarões e de toda a saudade que a velha Vila Boa de Goiás proporciona dos tempos em que não vivemos.

Um comentário:

Anônimo disse...

as cidades pequenas me assustam com sua capacidade de espremer diferenças na velocidade do boca-a-boca.