terça-feira, 21 de julho de 2009

Desconhecidos familiares

O caminho para o trabalho é feito no meu carro. Tenho um remoto controle do que vejo enquadrado pelas minhas janelas. Entre outdoors descascados e placas de sinalização, encontro os mesmos rostos desconhecidos, porém familiares.

Com certa freqüência, encontro, na esquina de minha casa, um senhor de cabeça branca e mãos enrugadas, porém firmes. Ele segue seu caminho em uma mobilete barulhenta. Não sei qual é o destino do motociclista, mas gosto da vida que salta de seus olhos.

Outros personagens encontro no vermelho dos sinaleiros: o casal que vende mel, com tiras imensas da mercadoria nos ombros, sempre simpáticos, sempre sorrindo. Há também o bêbado que pede dinheiro para voltar para casa. Todos os dias ele é assaltado nas proximidades de um hipermercado.

Na avenida Independência está o senhor que ganha um trocado como estátua viva. Ele reveza: há dias em que é de bronze, noutros prata, em alguns de barro e nos últimos dias: Michael Jackson. A maquiagem branca, a luva e os óculos espelhados fazem do rei do pop o seu sustento.

Logo cedo, cruzo com Joões, Raimundos, Josés e Pedros: catadores de papel que se reúnem atrás de um centro de moda atacadista da cidade. Alguns levam a família em seus carrinhos, filhos empoleirados em castelos de papelão e sucata.

São esses personagens que me acordam, é para eles o meu “bom dia” e “boa tarde”. É para eles o meu primeiro sorriso, mesmo nos dias em que os dias não amanhecem bem. São eles que me chacoalham e tiram a poeira das retinas, são esses rostos desconhecidos, assim tão familiares, que me mostram que a vida, lá fora, continua, mesmo quando a gente decide reclamar com a boca cheia.

3 comentários:

Ana Paula Vieira de Souza disse...

Eu sempre noto as pessoas do meu caminho de todos os dias. Já tenho os meus amigos que esperam em determinadas portas do metrô, incluindo o meu romance com o carinha da segunta porta; mas eu não largo da primeira e a gente só se olha de longe, com vontade de dizer bom dia. Tem também os meus amigos que sabem o qeu quero comprar para o café da manhã... Tem também a escada rolante de onde sai o meu sorriso pro eixo monumental e a pilastra que escora o sol, que eu contei no meu texto vento candango. É bonito o movimento na rua né?! heheh

adoóóóóron observar!

;***

Daniella Christina disse...

Quantos rostos estranhos e familiares passam no nossa vida?Somente poucas pessoas como você os enxerga. Raríssimas transportam esse relaciomento quase silencioso para um texto(tão belo!)

Fran Rodrigues disse...

No início, a intertextualidade com a Calcanhotto já anunciava um belo texto, mas superou as expectativas.

"São eles que me chacoalham e tiram a poeira das retinas" Seus textos tb tem essa função, Ana.

bjoo