segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Dona Fátima

Enrolo a gata numa toalha e volto caminhando do veterinário. Ainda pequena, morre do medo do mundo. A cada novo barulho esconde a cabeça debaixo do meu braço. No caminho, duas mães mostram a gatinha para os filhos e sorriem. Sorrio de volta. Porém, passos à frente, no meio da praça Afonso Pena, uma senhora me pára.

-Que coisa bonita, minha filha. É um gato ou um cachorro?

Percebo anéis azulados em seus olhos, provavelmente catarata.

-É uma gatinha, se chama Syrah.

-Ah, que bela. Eu já tive muitos gatos e alguns cachorros. Foram minhas companhias por muitos anos...

E assim começou a me contar uma longa história de sua vida. Mas, no meio da fala, se interrompeu:
-Você deve estar com pressa e eu aqui falando besteiras...

Respondi que não, que gostaria de ouvir a sua história até o fim.

Assim, ela continuou. Me contou dos animais de estimação e dos dois maridos que já partiram.
-Eu sempre estou aqui pela praça, venho tomar um sol pela manhã. Hoje sou eu e o mundo, não há porque ficar trancada em casa.

Em seguida, pergunta onde eu moro. Explico que é perto, três quadras adiante. Ela me fala seu endereço, inclusive o número do apartamento.

- Se você quiser, aparece pra tomar um chá comigo qualquer dia desses.

Agradeci ao convite e segui meu caminho.

Hoje acordei pensando na dona Fátima. Se eu me recordasse os números iria tomar um chá com ela neste domingo chuvoso. Eu mesma levaria os biscoitos.

Mais cedo, estive na praça na tentativa de encontrá-la, mas acho que a sorte não bate duas vezes na mesma porta.

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