domingo, 14 de setembro de 2014

Não há mais sábado na Cinelândia

...e nesta bela tarde de sábado em que me extravio pelo centro, há apenas alguns palermas como eu zanzando pela Cinelândia.Só agora reparo isso e me sinto um velho senhor saudosista: não há mais sábado na Cinelândia. (Rubem Braga, década de1950).



Meu caro Rubem Braga,

Hoje eu coloquei uma roupa branca, bem limpa, e fui à Cinelândia, como você fazia nas tardes de sábado. Sinto lhe informar que a Confeitaria Brasileira não está mais na Rua Álvaro Alvim. Nas proximidades do número 23, ainda resiste um cinema, hoje sem glamour e que se detêm à exibição de filme pornográfico, assim mesmo, no singular. Saí com a esperança tola de repetir a loucura do waffle com mel de sua juventude. Mas, já não há confeitarias na Cinelândia. Alguns poucos cafés resistem para atender a executivos apressados. Mas nenhum deles possui o peso das grandes casas de chá de sua década de 1930.

Aliás, destes áureos tempos, pouca coisa resiste. Hoje não há mais os cinemas Trianon, Parisiense, Império, Pathé, Capitólio, Rex, Rivoli, Metro Passeio, Plaza e Colonial. O Cine Vitória virou livraria e o Cine Palácio, depois de tantos anos corroído pelo esquecimento, promete reabrir como teatro, no ano que vem. De todos, apenas o Odeon se mantêm em pé, apesar de estar fechado por tempo indeterminado para reformas. Muitas destas salas de exibição, Rubem, acredite: viraram igrejas evangélicas e lojas de fast food.

O Café Rivera da década de 1920 continua lá, atendendo pelo nome de Amarelinho. Mas, a Casa Flórida, sua imponente vizinha, fechou as portas há décadas: não há mais cortes de seda à venda na Cinelândia. E, ainda assim, o Café Rivera não é mais um café. Com a alcunha de tradicional, serve chopp e carnes com batata frita.

Não há mais passeios na Cinelândia nas tardes de sábado. Apenas um emaranhado de pernas apressadas, de caminhos sempre de passagem e pouco olhar. Não há mais moças do Méier com seus vestidos de seda e bocas pintadas, nem cadetes e guardas-marinhas em seus uniformes e espadins.

O Municipal, imponente, continua lá, claro. Diante dele, Rubem, me sinto uma retardatária e desejo a máquina do tempo. Sentada na escadaria do Theatro, observo a Praça Floriano. O Palácio Monroe, como você sabe, saiu da vista da cidade ainda na década de 1970. Ah, como eu gostaria de tê-lo visto de perto. O espaço hoje é ocupado por moradores de rua, guardas municipais encostados em suas viaturas e uma solidão imensa que ecoa entre as grandes construções que resistem.

Há uma leve tristeza que paira sobre a Cinelândia. Talvez ela seja um aviso de que é preciso ter o olhar atento e recuperar tudo o que o tempo vendeu pra história. Hoje não há waffles, nem Broadway brasileira, nem qualquer resquício de glamour. Porém, as construções ainda estão por lá, quase escondidas, esperando por olhos menos embaçados.

(E eu te juro, Rubem, apesar de tudo, ainda tenho a esperança de encontrar uma borboleta amarela pairando por lá).

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