terça-feira, 3 de junho de 2014

Histórias de um vagão

Domingo, entro no metrô e tem um cara com uma mochila e um violão. Com um timbre bonito, canta sobre caetanear o que há de bom.

Ao final, o vagão inteiro aplaude. Muito.

Ele começa a falar. Não rodou o chapéu, não pediu contribuição pelo seu trabalho. Falou apenas de amor.

À vida. Ao que se faz.

De repente, olhando bem dentro dos meus olhos, como se talvez advinhasse que aquelas palavras poderiam ser importantes para mim, disse:

-Vai ser feliz.

Porque ele, estava lá, tocando seu violão, no metrô, apenas para ser feliz.

Ele se calou. E novamente, veio o aplauso - que me trouxe uma vontade imensa de abraçar o rapaz.

E agradecer.

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Já dizia o velho ditado que a minha liberdade começa onde termina a sua. Ou vice-versa.

Mas, a verdade é que vivemos na constante invasão do espaço alheio. No trabalho, na rua, no virtual: uma sucessão de querer sempre um pouquinho mais para si. Semana passada peguei o metrô. Quase vazio, afinal era domingo a tarde.

Do meu lado, um banco vago.

Próxima estação Praça onze, desembarque pelo lado direito. E foi pelo mesmo lado direito que um grupo de adolescentes adentrou ao vagão. Nao sem antes esmurrar a porta, enquanto esperavam que ela se abrisse.

Eram 7 ou 8, pareciam um batalhão.

Correram, ocuparam lugares vagos, inclusive o do meu lado. Alguns ficaram em pé. Enquanto conversavam aos berros sobre a vida sexual - frustrada - de um dos moleques, um se dependurava na barra fixa ao teto, outro corria de um lado para o outro do vagão.

Aumentei o som do mp3 a quase estourar os meus tímpanos. Alegria era o que faltava em mim, uma esperança vaga que não encontrei. Mas, não adiantou. Tive que escutar sobre a bunda alheia e insatisfações.

Tive que ver um deles se estabacar no chão, tive que aguentar outro gritando no meu ouvido para falar com o fulaninho do outro lado do trem.

Pode parecer frescura, outros diriam que eu deveria relevar, afinal, são adolescentes numa tarde sol. Terceiros ainda destacariam o quanto sou ranzinza.

(E sou, não nego).

Não nego também o direito ao frescor da juventude, mas gostaria de nao me sentir invadida, gostaria de ter um domingo de paz. Acontece que eu sou uma pessoa que gosta do silêncio.

Ensaiei um discurso. Repeti as palavras umas três vezes, mentalmente.

Desisti.

Não adiantaria. Talvez apenas a minha cabeça latejasse mais entre as estações que me separavam do destino. Aguentei firme, apenas me levantei e rumei à porta.

Contei até 240 quando a gravação do metrô anunciou Cardeal arco verde, desembarque pelo lado direito. O mesmo número de vezes que pensei esganar a cada um, com as minhas próprias mãos.



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